Cláudio Capela – AL

História de vida

Cláudio Henrique Freire da Silva (1992) nasceu e cresceu em Capela – AL, onde trabalha e vive com sua esposa e filho. Sobrinho por parte de pai do mestre João das Alagoas, desde cedo brincava com o barro em casa por influência do irmão, que era aprendiz de João. Quando criança, Cláudio gostava de brincar perto da oficina onde João das Alagoas ensinava seus aprendizes. Curioso, ficava observando o trabalho na cerâmica, mas não tinha coragem ade pedir para que o tio o ensinasse.

Quando tinha por volta de 14 anos, um dia João pediu para que ele preparasse o barro, abrindo a primeira porta para o início do seu aprendizado. Como todos na oficina, começou modelando figuras tradicionais, como o agricultor, uma mulher com jarro na cabeça e o carregador de lenha. Sobre as aulas que tinha com o mestre João, lembra:

“Ele dava dicas de como fazer. Uma vez ele fez uma cabeça para mostrar como fazia o rosto. E aí ele fez um lado de homem e do outro lado era mulher. Para não ficar ensinando duas vezes, ele fez em uma peça só. E assim eu tinha noção de como fazer.”

Suas primeiras peças eram maiores, com cerca de 20 centímetros. A mudança para as miniaturas aconteceu em 2011 ao visitar uma feira de presépios em Maceió:

“Eu já tinha uma paixão bem grande por miniaturas, nem sei explicar por quê. Lá [na oficina] só o Leonilson e o João faziam miniaturas. Eu ficava observando o trabalho do Leonilson e fui diminuindo o tamanho das peças. E com o passar dos anos, fui pedindo a Deus que me desse um traço diferenciado dos outros artesãos da oficina. Um dia fui para uma feira de presépio em Maceió e vi o trabalho de Arlindo [Monteiro] no palito de fósforo. Eu decidi fazer no barro. No outro dia, quando eu cheguei, a primeira coisa que fui fazer foi tentar a miniatura. E consegui fazer um agricultor, justamente a peça que eu tinha começado a fazer com 13, 14 anos.”

Cláudio levou a sua primeira miniatura, com cerca de um centímetro e meio de altura, para vender em uma feira. Ela foi comprada por uma cliente que ficou impressionada com o tamanho e decidiu levá-la para presentear como lembrança. Percebendo a aceitação de peças tão pequenas, Cláudio decidiu se especializar nas miniaturas como seu estilo, de onde tiraria seu sustento. Desde então, dedica-se exclusivamente à produção artesanal.

Além da influência de Arlindo Monteiro, mais tarde duas outras grandes miniaturistas inspiraram o trabalho de Cláudio: Marliete e Socorro Rodrigues, filhas de Zé Caboclo. Essas artistas seguem a tradição em cerâmica figurativa iniciada por Mestre Vitalino no Alto do Moura, em Caruaru – PE, representando cenas do cotidiano e da cultura nordestina.

As peças de Cláudio são compradas principalmente por lojistas e colecionadores e estão em acervos de museus, como o Museu do Pontal (RJ). Por intermédio da Artesol, participou da 2ª Bienal Internacional de Cerâmica de Jingdezhen, na China, realizada entre 15 de dezembro de 2023 e 15 de junho de 2024. Tornou-se, assim, um dos mais proeminentes aprendizes do Mestre João das Alagoas, consolidando um estilo próprio e produzindo com autonomia.

Seu filho Pedro Henrique, de 4 anos, já admira o trabalho do pai e gosta de brincar de ceramista. Volta e meia se senta à mesa de trabalho e, mexendo na argila, entra no mundo de faz de conta com uma frase mágica que diz a Cláudio: “Agora eu sou você”, deixando-o orgulhoso.

Obra e processo criativo

Cláudio encontra inspiração para criar em suas lembranças da infância e nas cenas do cotidiano que observa em Capela, lugar que gosta muito de morar por causa da tranquilidade. Quando algo chama sua atenção, como as senhoras distraídas em suas atividades diárias, já imagina uma peça e logo põe-se a modelar, sem esboços e desenhos.

Assim nascem diminutas casas de fazenda, avós contando histórias para crianças, paneleiras, sanfoneiros, bailes de forró, vendedores ambulantes e crianças brincando de amarelinha. Com seu olhar atento para as sutilezas, cria pequenas crônicas do cotidiano, ricas em detalhes capazes de despertar diferentes emoções. Alguns de seus clientes comentam que, quando observam as casinhas, têm muita vontade de entrar nelas para viver o momento representado na cena, pois sentem nostalgia e saudade.

Cláudio possui uma rotina de trabalho intensa, dedicando-se de domingo a domingo mais de oito horas por dia. Conta que, quando não trabalha, se sente “aperreado”, como se algo estivesse faltando. Devido a tantas horas de dedicação e à posição em que fica sentado, o corpo começa a apresentar dores, principalmente nos ombros.

Coleta o barro do barreiro da oficina e o prepara para a modelagem. Devido ao pequeno tamanho de suas peças, precisou criar suas próprias ferramentas, uma específica para cada etapa do trabalho. Com uma faquinha em miniatura, adaptada de um chaveiro, faz a cabeça e o rosto dos personagens; com espeto, faz furos e texturas; e usa o espinho do mandacaru para os detalhes das faces. Já o acabamento é dado com um pincel. As cores suaves são provenientes do próprio barro e de esmaltes cerâmicos misturados à barbotina. Por fim, as peças são queimadas em forno a gás.

Justamente por serem tão pequenas e demandarem um trabalho minucioso, suas obras revelam a grande capacidade técnica e habilidade do artesão, desenvolvidas em muitos anos de prática. Inquieto, Cláudio sempre está em busca de se aperfeiçoar, desenvolvendo novas ferramentas e se desafiando constantemente a criar esculturas cada vez menores. Algumas microminiaturas chegam a dimensões impressionantes, pois são menores que um grão de arroz.

A escola do mestre João das Alagoas

Capela fica localizada a cerca de 60 km de Maceió, na região da Zona da Mata alagoana. A cidade pequena é cortada pelo Rio Paraíba e seus afluentes e possui solo bastante rico em argilas, usadas principalmente na produção de peças utilitárias.

A produção cerâmica figurativa era praticamente inexpressiva em Capela até o início do trabalho de João das Alagoas. João aprendeu a modelar o barro inicialmente sozinho e depois foi aprendiz de uma louceira local chamada Luzinete, que o ensinou a coletar o barro no barreiro, a prepará-lo e a fazer a queima, por volta de 1980 – 1987. João continuou aprendendo e aprimorando suas técnicas por meio de testes, investigações e estudos autônomos.

João das Alagoas formou uma escola da cerâmica figurativa no município, que teve início com a sua busca para obter renda a partir da arte. Com o apoio da prefeitura e do Sebrae, repassa seus conhecimentos a aprendizes, estimulando-os a desenvolver uma identidade própria em seus trabalhos. As manifestações e folguedos populares de Alagoas, como o Guerreiro e o Bumba Meu Boi, as cenas cotidianas, a fauna e a flora são as principais temáticas trabalhadas pelo mestre e seus aprendizes. Devido à relevância cultural de sua criação artística e ao seu trabalho de transmissão de conhecimentos, João das Alagoas recebeu o título de Patrimônio Vivo do estado de Alagoas em 2011.

Referências

PONTES, Edna Matosinho de. Eu me ensinei: narrativas da criatividade popular brasileira. São Paulo: Via Impressa Edições de Arte, 2017.

As citações de Cláudio Capela foram retiradas de uma entrevista realizada por Isabel Franke no dia 19 de abril de 2024.

 

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