História de vida
André Luiz Menezes do Nascimento (1992) nasceu em Recife, onde cresceu e vive. Filho de dona de casa e mestre de obras, nasceu prematuro, com 6 meses, e foi uma criança muito criativa e imaginativa. Gostava de usar embalagens e materiais reaproveitados para fazer seus próprios brinquedos e, quando ficou mais velho, dedicava-se a decorar sua casa para as festas temáticas de família.
Com 14 anos, aprendeu a tocar contrabaixo e fez parte de bandas regionais de forró até os 20 anos. Em 2015, com o falecimento do pai, André viveu um episódio depressivo que mudou sua vida. Nessa época, tornou-se protestante calvinista e descobriu sua aptidão para a arte:
“Eu acredito que é um dom que Deus me presenteou. Eu estava em casa certo dia e foi como se Deus dissesse: ‘Vá viver do seu dom, o que eu lhe dei’. E eu comecei a fazer arte, mas não era nada profissional. Eu fazia para decorar a casa em festas temáticas e para dar de presente, tudo com material reciclado.”
Entre 2015 e 2016, criou sua primeira obra, que chamou de “Senhoritas Pernambucanas”, em contraposição crítica aos artesãos que apenas modelavam as bonecas namoradeiras, confeccionadas em cerâmica e vendidas para decoração. Motivado a se profissionalizar, buscou o Centro de Artesanato para tirar sua carteira de artesão. No dia em que fez a prova de aptidão, seu trabalho chamou a atenção de uma das curadoras, pois misturava, em uma única criação, diferentes técnicas de reaproveitamento de resíduos de uma forma que ela nunca havia visto antes. Sinalizando que essa forma de criar era própria de André, a curadora o instruiu a participar da Fenearte – Feira Nacional de Negócios do Artesanato, realizada todos os anos pelo Governo do Estado de Pernambuco.
Em 2016, participou do concurso da Galeria de Reciclados da Fenearte com a réplica de uma igreja, ficando entre os 50 melhores. Em 2017, participou do mesmo concurso com a obra “Nascer do Pássaro”, que recebeu o prêmio de Menção Honrosa. A partir desse momento, André entendeu que a arte era mesmo seu caminho.
Desde então, vem construindo uma carreira profissional, aparecendo em reportagens de jornais locais e nacionais. Também tem orgulho de seu trabalho ser abordado em um livro didático, como temática de uma atividade escolar. No início, enfrentou resistência e preconceito de familiares, que não entendiam sua escolha profissional.
Apesar de André Menezes ter iniciado seu trabalho profissional em 2016, o estilo artístico pelo qual é reconhecido hoje começou a ser desenvolvido a partir de 2020, principalmente em relação ao imaginário e à pintura. No período de isolamento da pandemia de COVID-19, sentiu que precisava mudar seu estilo e realizou investigações e testes, tendo como inspiração outros artistas até encontrar sua própria linguagem.
Sua fé religiosa, protestante calvinista, tem uma importante influência em seu trabalho e processo criativo. É a partir dela que entende a arte como seu dom e vocação, seguindo sua ética de trabalho e conduta moral.
Obra e processo criativo
André Menezes criou uma técnica própria, batizada por ele de “reclipachê”, uma junção das palavras reciclagem, papietagem e machê.
Em relação à técnica construtiva de suas esculturas, utiliza diversos tipos de embalagens e materiais reaproveitados colados uns aos outros como a base da peça. Vidros de perfume, de tinta, latas, garrafas de bebidas, embalagens de remédios, forminhas e uma infinidade de outros materiais são coletados por ele, assim como por amigos e familiares que apoiam seu trabalho. Curiosamente, cada tipo de embalagem tem um uso quase único por suas formas:
“Os materiais é que vão dizer o que querem ser para mim. Eu estou andando na rua e vejo uma garrafa ali que tem um molde de cachorro, ela já diz para mim que vai ser um cachorrinho. Uma garrafa de detergente, a ponta dela, já me diz que ela quer ser um peixe. Uma garrafa de água quer ser um pássaro, e por aí vai.”
Após a junção dos materiais para dar forma à sua criação, aplica a massa de papel machê para modelar detalhes e recobre as superfícies com a papietagem. A peça está pronta, assim, para receber a pintura, caracterizada por uma ornamentação elaborada.
A temática de suas obras, que ele chama de imaginário, vem de sua fértil imaginação. Também se inspira no trabalho de outros artistas, principalmente do Movimento Armorial, como Gilvan Samico, Miguel dos Santos e Ariano Suassuna, com destaque para as Iluminogravuras. Suas esculturas mesclam e combinam formas humanas e de animais, criando manifestações antropozoomórficas únicas. Alguns animais bastante presentes são os peixes, que ele traz de suas memórias de infância. Como cresceu em apartamento, muitas vezes tinha como lazer brincar com os peixinhos que seu irmão, aquarista entusiasta, criava. Já os pássaros surgem por causa da admiração pela liberdade de movimento que possuem e pela capacidade de chegar a lugares distantes.
Assim como no Movimento Armorial, que possui forte referência na estética medieval, André dialoga com o imaginário fantástico das princesas e cavaleiros, que, no seu caso, estão montados em aves em vez de cavalos. Suas figuras humanas geralmente não possuem olhos nem feições, para não lhes atribuir personalidade.
Suas peças costumam ter marcada simetria. Quando não são completamente espelhadas, conservam o equilíbrio de elementos a partir de um eixo central. Na pintura, trabalha com uma paleta de grande diversidade de cores, mas tem um carinho especial por um cinza lunar e um amarelo opaco. O uso do preto é bastante marcado, desenhando contornos, realçando detalhes e criando fronteiras entre as cores. Nos ornamentos, traz referências e elementos da cultura nordestina, como a xilogravura, as rendas e a costura em couro.
Como resultado, sua produção pode ser interpretada como continuadora do legado deixado pelo Movimento Armorial. Assim como propõe o Movimento, suas peças trazem elementos da cultura nordestina quase como símbolos, conformando um vocabulário decorativo. Da mesma forma, o processo criativo acontece a partir de referenciais marcadamente urbanos, mas inova pelo uso de embalagens e materiais reaproveitados.
O Movimento Armorial
O Movimento Armorial foi fundado pelo escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna em 18 de outubro de 1970, em Recife – PE. O evento apresentou um concerto da Orquestra Armorial de Câmara e uma exposição de artes plásticas, com manifestações culturais populares do Nordeste. Tinha como objetivo a criação de arte erudita a partir de elementos da cultura popular brasileira, em especial as manifestações culturais nordestinas. O Movimento surge em resposta à então crescente influência dos Estados Unidos no Brasil e ao que se denominava como a massificação da cultura brasileira pela intensificação da globalização.
Artistas de diferentes linguagens envolvidos com o Movimento dedicaram-se a pesquisar as estéticas e as manifestações de raiz popular, para identificar seus elementos constituintes com o propósito de incorporá-los em suas criações. Dentre essas manifestações, destacam-se os folguedos, como o maracatu, o bumba-meu-boi e o cavalo-marinho, bem como o cordel e o romanceiro popular, a xilogravura e o repente. Também há a busca por referenciais do imaginário medieval, como cavalhadas, feudos e castelos, e pelas sonoridades do Barroco.
Entre tantos artistas, nas artes plásticas, Miguel dos Santos e Francisco Brennand destacam-se na cerâmica, enquanto Gilvan Samico se destaca na xilogravura. Na música, foram fundadas a Orquestra Armorial de Câmara e o grupo Quinteto Armorial. Na dança, Ariano Suassuna fundou o Grupo Grial de Dança e o Grupo Arraial Vias da Dança. Por fim, no teatro, destaca-se a Trupe Romançal de Teatro Romero de Andrade Lima.
O Movimento Armorial costuma ser dividido em três fases: Experimental (1970 – 1975), Romançal (1975 – 1995) e Arraial (1995 em diante). O termo “armorial” tem origem francesa e está relacionado a “arma”, no sentido heráldico, área de estudo que se dedica a investigar a origem, evolução e significado dos brasões e escudos. Assim, o Movimento Armorial buscava investigar e identificar esses elementos culturais nordestinos, criando símbolos e elementos que conformariam uma “heráldica nordestina”. Esses elementos podem ser identificados no alfabeto criado por Suassuna, que tem como inspiração os ferros de marcar gado da região do Cariri cearense, e nas ilustrações de suas Iluminogravuras, criadas a partir da década de 1980.
Referências
MATTAR, Denise. Movimento Armorial 50. Catálogo de exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2022.
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em Demanda da Poética Popular – Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
As citações de André Menezes foram retiradas de uma entrevista realizada por Isabel Franke no dia 1º de maio de 2024.