Josielton Sousa – PI

“Eu tive o privilégio de começar a trabalhar com mestre Dim e também passei um certo tempo trabalhando com mestre Costinha, discípulos de Mestre Dezinho. Eu sou artesão da terceira geração de mestre Dezinho e trabalho nesse ofício há mais de 27 anos.”

 

História de vida

Josielton Ferreira de Sousa (1985) nasceu em Teresina – PI, onde cresceu e vive. Sua mãe era dona de casa e seu pai trabalhava como “faz-tudo”, realizando atividades de pedreiro, marceneiro, serralheiro e pintor. Quando tinha 11 anos, visitou a oficina de trabalho de mestre Dim e teve muita vontade de aprender o ofício do entalhe. Convidado pelo mestre, que notou seu interesse, Josielton e seu irmão gêmeo, Josias Ferreira de Sousa, passaram a frequentar a escola Oficina Chico Barros.

Localizada no bairro Monte Castelo em Teresina, o espaço foi fundado na década de 1990 por Mestre Dim a partir de um projeto gestado nos anos 1980. Sensível à vida dura e à falta de perspectiva de jovens e crianças de famílias pobres, Mestre Dim criou a oficina para repassar o ofício do entalhe, ao mesmo tempo em que cobrava dos aprendizes a permanência na escola e a conclusão dos estudos. Como consequência, a Oficina Chico Barros formou muitos artesãos que hoje se identificam como pertencentes à terceira geração de artesanteiros do Piauí.

Dedicando-se ao artesanato no contraturno da escola, Josielton iniciou o aprendizado do ofício fazendo entalhes em alto-relevo em tábuas, representando principalmente imagens sacras e paisagens. Mais tarde, passou a trabalhar na oficina de mestre Costinha, onde permaneceu por cerca de 14 anos. Como parte do processo de aprendizagem, lixava e fazia o acabamento das peças dos mestres, como o corte dos cabelos, a pintura dos olhos e o polimento com cera. Por volta dos 15 anos, fez sua primeira escultura, uma imagem de Santo Antônio:

“Quando eu comecei a fazer esculturas, saíam algumas feias, meio tortas, com as cabeças tortas… A minha primeira escultura foi uma imagem de Santo Antônio. Era uma imagem que o mestre Costinha ia começar a fazer, mas não ia terminar. Como eu não sabia, acabei arrancando o menino Jesus e ele ficou sem uma mão. Até hoje eu tenho ela. E eu não vendo.”

Conta que o incentivo de pessoas que compravam suas peças, ainda que com pouco apuro técnico, foi essencial para se sentir motivado a continuar seu aprendizado. Por isso, toma para si a responsabilidade de igualmente incentivar seus sobrinhos e outros jovens interessados a aprender o ofício, repassando suas técnicas e as práticas aprendidas com seus mestres.

Desde que começou no ofício, Josielton tinha a atividade artesanal como um complemento de renda enquanto se dedicava a outras ocupações. Por alguns anos trabalhou em uma padaria e depois foi vigilante noturno, até decidir voltar a estudar e fazer faculdade de Direito. Como não conseguia conciliar o trabalho com a agenda de aulas, deixou o trabalho de vigia e passou a trabalhar integralmente como artesão.

Suas peças são vendidas principalmente para lojistas e consumidores finais por meio de encomendas. Também participa das grandes feiras do setor, como a Fenearte (Olinda – PE), Salão do Artesanato (Brasília – DF) e FENACCE (Fortaleza – CE).

Obra e processo criativo

Por muito tempo, Josielton não teve um espaço próprio de trabalho, utilizando um espaço chamado Casa Nordestina, localizado na Central do Artesanato de Teresina. A vontade de ter um espaço próprio surgiu em uma visita técnica promovida pelo Sebrae ao local de trabalho de outros artesãos. Durante a pandemia do coronavírus, Josielton conseguiu contratar um pedreiro para construir um ateliê em sua casa, onde também trabalha atualmente.

Suas obras são entalhadas principalmente em cedro, uma madeira conhecida pela dureza, cor rosada, aroma e, principalmente, por ser detestada por cupins devido ao seu sabor amargo. Quando os cedros do Piauí estão em falta no mercado, utiliza os de origem paraense. Em menor quantidade, também trabalha com a umburana, uma madeira mais macia e típica da caatinga.

Como a madeira é comprada em metro linear, a primeira etapa do trabalho consiste em cortar os pedaços com serra elétrica. Depois, entram as ferramentas manuais. Com o serrote, corta pedaços menores; a enxó é utilizada para dar a forma e, por fim, com o formão e a faca, entalha os detalhes mais finos e os ornamentos.

O acabamento é feito em várias etapas, começando pelo lixamento com lixas grossas, médias e finas. Para o brilho, passa uma mistura de ceras aprendida com os mestres: cera inglesa, cera de carnaúba, cera de abelha, graxa de sapato e vela. O brilho é puxado com escova de engraxate, mas pode ser realçado com flanela e jornal.

Além de criar imagens de santos e anjos, seguindo a tradição dos artesanteiros do Piauí, Josielton se destaca pela inovação e aperfeiçoamento estilístico e temático. Dedicado a representar temas regionalistas, criou sua própria versão dos anjos músicos que tocam instrumentos de bandas nordestinas, como sanfonas e zabumbas. Em sua obra, é comum que eles estejam trajados como vaqueiros.

Estimulado por um cliente de Tiradentes – MG, tem como principal identidade do seu trabalho a produção de palmeiras da região, em especial a carnaúba, o buritizeiro e o coqueiro. Com riqueza de detalhes, chamam a atenção por suas folhagens frondosas entalhadas individualmente e encaixadas ao tronco.

A produção das palmeiras teve início após a encomenda de um médico que tratava seu irmão acidentado. O médico pediu a Josielton que estudasse uma carnaúba entalhada por mestre Expedito que estava à venda em uma loja de decoração da cidade, desafiando-o a criar sua própria interpretação da peça.

Empenhado em melhorar a qualidade de sua talha, dedicou-se a observar os detalhes morfológicos das espécies. Assim, as folhas, os frutos e os detalhes dos caules passaram a ser entalhados com mais precisão, melhorando consideravelmente em relação às primeiras peças produzidas. Sem esquecer a tradição artesanteira da qual é herdeiro, passou a adicionar imagens de santos aos pés das palmeiras, criando uma combinação completamente nova.

Um dos estilemas mais marcantes das peças de Josielton está na fisionomia das figuras humanas, representadas com olhos mais alongados e cantos exteriores levemente caídos. O resultado é um olhar que evoca o sentimento de piedade repleto de doçura, sendo esta última a principal característica da arte santeira piauiense, de acordo com o arquiteto e colecionador Carlos Augusto Lira.

A arte santeira no Piauí

A arte santeira do Piauí remonta ao processo de colonização do estado, principalmente pela atuação de padres jesuítas na região. No entanto, o estilo de arte santeira que é reconhecido hoje como tradicional do Piauí começa a tomar forma na década de 1960 e é atribuído ao pioneirismo de José Alves de Oliveira, mais tarde conhecido como mestre Dezinho.

Nascido em Valença em 1916, mestre Dezinho mudou-se para Teresina com 45 anos. Trabalhou como marceneiro e carpinteiro fazendo móveis, além de confeccionar ex-votos para fiéis. Depois de trabalhar por muitos anos como segurança em uma praça, um padre o chamou para esculpir o Cristo e a imagem de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da Igreja. Essas foram as primeiras peças de corpo inteiro confeccionadas por Dezinho, que até então só entalhava as partes para os ex-votos. Atribui-se a mestre Dezinho a criação de um estilo de entalhe particular e a formação de uma escola estilística.

As cidades de Teresina, José de Freitas, Campo Maior, Pedro II e Parnaíba são as localidades que concentram mais mestres e aprendizes do ofício da arte santeira do estado. Convencionou-se classificar os artesãos em gerações, de acordo com o marco temporal: a primeira inclui os artesãos que iniciaram as atividades na década de 1970, destacando-se mestre Expedito e Antônia Vieira; na segunda estão aqueles que começaram ao fim da década de 1970 e ao longo dos anos 1980, com nomes como mestre Kim, mestre Dim, mestre Paquinha e mestre Costinha, entre outros. A terceira geração, à qual pertence Josielton Sousa, é marcada por aqueles que aprenderam o ofício na década de 1990.

Em 2000, mestre Dezinho fundou uma cooperativa, a CAMEDE – Cooperativa de Artesanato Mestre Dezinho, com o objetivo de criar melhores condições de comercialização para a arte santeira. Além disso, por meio da cooperativa, foi possível criar oficinas para o repasse das técnicas para as novas gerações. Veio a falecer no mesmo ano, deixando um importante legado cultural e histórico.

Em reconhecimento à potência criativa e aos modos de fazer deixados por mestre Dezinho e renovados por gerações de mestres artesãos, em 2008 o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional incluiu a arte santeira do Piauí no Inventário Nacional de Referências Culturais como patrimônio imaterial do Piauí.

Referências

LOPES, Katiuscy da R. Arte Santeira do Piauí: entalhando imaginários. Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural), IPHAN. Rio de Janeiro, 2014.

RAMOS, Graça; SELIGMAN, Graça; GOES, Macao. Escultores Iluminados. Brasília-DF: ITS, 2019.

As citações de Josielton Sousa foram retiradas de uma entrevista realizada por Isabel Franke no dia 8 de maio de 2024.

 

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