Clélia Lemos – MG
História de vida
Maria Clélia Lemos nasceu no dia 30 de maio de 1953 em Piedade de Ponte Nova, Minas Gerais. Ainda criança, mudou-se para Timóteo, no Vale do Aço. Viveu com a mãe até os 15 anos, quando foi para Belo Horizonte para ajudar sua irmã a cuidar de seus filhos.
Mais tarde, Clélia iniciou um relacionamento e teve quatro filhos. Como não tinha com quem deixar as crianças, não conseguia trabalhar fora e sempre estava em busca de serviços que poderiam gerar alguma renda. Em umas férias, visitou sua mãe, que sempre estava desenvolvendo algum trabalho manual, como costura, crochê e bordado. Com ela, aprendeu a fazer sapatilhas e flores de tecido.
Clélia vendia suas sapatilhas sempre que podia, nas reuniões dos filhos na escola, para funcionários de um hospital e em uma banca na porta do mercado. Vendia também para lojas de noivas, mesmo não acreditando no potencial do seu trabalho. Por muitos anos, a venda das sapatilhas foi sua principal fonte de renda e, com ela, pode dar uma vida melhor para seus quatro filhos.
Separou-se de seu companheiro e cerca de quatro anos depois, casou-se com o artista popular Willi de Carvalho. Eles se conheceram trabalhando juntos em produções de teatro e ficaram juntos por 20 anos. Uma de suas filhas é figurinista e, sempre que há uma oportunidade, inclui Clélia nos serviços da produção dos figurinos e de peças dos cenários.
Clélia, em certo ponto da vida, voltou para Belo Horizonte. Parou de produzir as sapatilhas e buscou outras coisas para fazer. Um dia, uma querida amiga de Montes Claros comprou duas estampas iguais de um santo para fazer um estandarte e deixou uma delas para a Clélia. Com a imagem, Clélia se animou e fez um estandarte para uma exposição de Willi de Carvalho, para ocupar uma parede que ficaria vazia, já que não havia obras em quantidade suficiente para ocupar todo o espaço. As pessoas que visitaram a exposição elogiaram o estandarte pois realmente era muito bonito, mas Clélia conta rindo que ele ainda não foi vendido e está “encalhado” em sua casa até hoje.
Clélia, que não se considerava artista, sempre foi muito companheira de Willi de Carvalho. Auxiliava-o nas pesquisas para suas obras e na comercialização. A partir dessa participação na exposição, que poderia ser interpretada como um acaso, mas que na verdade revela sua generosidade e companheirismo, Clélia começou a estabelecer sua própria linguagem artística. Confeccionou outros estandartes com o objetivo de ter uma renda extra, para serem vendidos em lojas de artigos religiosos e por encomenda.
Trabalha produzindo estandartes há 20 anos. Participou de exposições, deu oficinas, fez estandartes para blocos de carnaval e grupos de folias. Uma de suas obras foi presenteada ao Papa Francisco em 2015 e, em mais um gesto de companheirismo, convidou Willi de Carvalho para criar alguns detalhes, de forma que pudessem assinar a obra juntos.
Obras e processo criativo
Clélia Lemos cria estandartes, principalmente de santos e orixás de tamanho variados. Suas obras apresentam, com um apurado olhar artístico, o simbolismo religioso do catolicismo mineiro, permeado por forte devoção e ricas manifestações populares. Suas peças causam um grande impacto visual, devido à riqueza das cores e texturas combinadas com harmonia e muita beleza. Criações sofisticadas e intrincadas, suas obras têm chamado cada vez mais a atenção de colecionadores e galeristas.
O processo de criação de um estandarte de tamanho médio ou grande é bastante demorado, levando no mínimo 20 dias. Começa a fazer o estandarte a partir da imagem do santo, que é uma estampa vendida em lojas de tecido. Prepara a base do estandarte pensando nas cores que vão combinar com a imagem. Geralmente, as nossas senhoras são em tons de azul, já para os santos masculinos gosta de trabalhar o verde e cores mais escuras. Depois de escolher a imagem e a base, inicia-se uma longa conversa de negociação com o santo, pois é a partir desse diálogo que ela decidirá quais materiais utilizará para criar a peça. Um estandarte de São Jorge foi especialmente trabalhoso. Clélia conta que nada parecia satisfazer o santo, que parecia um menino pirracento. A confecção demorou mais do que ela imaginava por causa dos caprichos de São Jorge.
Aplica flores de plástico, fitas, rendas e pedrarias. Também utiliza peças de crochê e outras técnicas têxteis, que encontra em bazares. Por fim, define os acabamentos das bordas, se os tons das fitas serão dourados ou prateados. O acabamento é muito demorado, pois cada ponta de fita deve ser cuidada para não desfiar, as pedrarias e as flores bem coladas ou costuradas. De todos os materiais, Clélia é especialmente apaixonada pelas flores, por isso nunca deixa de usá-las.
Os estandartes na fé e na cultura popular
Os estandartes ou bandeiras eram muito utilizados em festas e procissões de irmandades dedicadas aos diferentes santos, principalmente no século XVIII, período do Brasil colônia. Atualmente, o estandarte continua a ser um objeto muito sagrado nas festas de Folias de Reis, maracatus, congadas, carnavais e festas do Divino . Os grupos de foliões têm a tradição de fazer seus próprios estandartes com elementos que contam suas histórias, mas o trabalho de Clélia é tão precioso que chegou a receber uma encomenda do grupo Folia de Reis São Sebastião de Vespasiano, de Belo Horizonte. A obra é cuidada com muito carinho pelo grupo e só participa das folias em momentos especiais.
Clélia também recebe encomendas de pacientes que farão cirurgias ou ficarão acamados. Essas pessoas, em um momento tão frágil e delicado, levam o estandarte para o hospital como uma forma de firmar a própria fé. Ao perceber a importância espiritual dos seus estandartes para os clientes, Clélia tornou-se mais exigente em seu processo de trabalho e dedicou-se a conhecer em detalhes a história de cada santo.