Sil da Capela – AL
História de vida
Maria Luciene da Silva Siqueira, a Sil, nasceu em 14 de agosto de 1979 em Cajueiro, município próximo a Capela, no estado de Alagoas. Vinda de uma família grande, com quinze filhos, desde os oito anos trabalhava cortando cana-de-açúcar para os engenhos da região. Na adolescência, começou a namorar seu esposo André e decidiram fugir. Moraram na casa de sua sogra e ali nasceu sua primeira filha Cristina, diagnosticada com autismo. Sil trabalhou no corte de cana até os 17 anos, quando sua família se viu obrigada a sair da fazenda onde moravam. Mudaram-se para a cidade de Capela, onde sua trajetória artística teve início.
Em 2001 começou a participar de oficinas profissionalizantes promovidas pelo Sebrae para mães de crianças com deficiência, que tinham como objetivo capacitá-las em diferentes atividades para geração de renda. Frequentou várias oficinas, mas foi na do ceramista João das Alagoas que Sil encontrou a arte e se encontrou consigo mesma. Depois de assistir a palestra de João, foi ao seu ateliê e se apaixonou pelas possibilidades do barro. Ali viu bonecos de cerâmica pela primeira vez. No início desse projeto promovido pelo Sebrae havia cerca de 40 mães atendidas, mas Sil foi a única que continuou a frequentar a oficina do mestre.
Dedicou-se a aprender com João das Alagoas e, sempre que podia, levava pedacinhos de barro para casa para praticar. O início exigiu muita dedicação, pois tinha que trabalhar, cuidar dos três filhos e aprender a modelar. Além disso, enfrentava resistências por ser mulher, ouvia críticas e era desestimulada por conhecidos, que diziam que se dedicar ao barro era perda de tempo. O apoio de seu marido foi fundamental para conseguir se dedicar ao aprendizado da modelagem.
Depois de seis meses de dedicação, vendeu suas primeiras peças: seis cavalinhos montados, criados em homenagem ao seu pai que era cambiteiro, nome dado ao trabalhador que carrega feixes de cana cortada em ganchos na garupa do cavalo. Ficou feliz da vida por ter vendido seu primeiro trabalho, receber o dinheiro foi como ganhar na loteria. O comprador era o merchand Jerônimo Miranda, que divulgou o trabalho de Sil e as vendas nunca mais pararam.
Quando seu trabalho começou a ser divulgado em catálogos de arte e revistas, sua história chegou ainda mais longe. Suas obras já foram exibidas em várias exposições nacionais e internacionais. Sil é reconhecida por galeristas e críticos como uma das maiores revelações da arte popular brasileira dos últimos anos.
Diz que tudo que conquistou em sua vida se deve ao barro. Em 2019, a jornalista Naide Nóbrega escreveu um livro para contar sua história, com o título “Do barro eu vim, do barro eu sou”. O livro é curto e tem linguagem simples, a pedido da própria Sil, que aprendeu a ler e escrever já adulta com bastante dificuldade.
Sil também influenciou duas irmãs a trabalharem com o barro: Tita (Maria Cícera da Silva Siqueira, falecida em 2022) modelava esculturas femininas com saias floridas, montadas em uma estrutura arredondada; e Adriana Maria da Silva Siqueira, muito conhecida por suas jacas.
O apelido Sil foi dado a ela pelos pais, ainda criança, pois cada um de seus irmãos tinha um apelido. Foi chamada assim a vida toda e, por isso, decidiu usá-lo como nome artístico. Quando começou a modelar, considerou assinar suas peças como Luciene, mas mudou rapidamente de ideia.
Obra e processo criativo
Sil ficou bastante conhecida por suas jaqueiras, uma árvore típica da região e que era muito abundante onde a artista morava quando era criança. Ela conta que “tudo o que a gente fazia era embaixo de uma jaqueira. Sempre tem uma jaqueira no quintal que serve para o descanso. E eu vivi muito isso, nos cortes de cana, onde víamos uma jaqueira já queríamos estar embaixo”. Foi por estímulo de João das Alagoas que começou a modelar a árvore, que é representada sozinha ou com personagens à sua sombra, entretidos nas mais diversas atividades.
Reviver – e reinventar – a própria infância é um dos temas presentes na obra de Sil. Diz que se sentia uma pessoa infeliz até conhecer a arte, por causa das dificuldades e da dureza da vida. Encontrou no barro uma forma de contar e ressignificar o que viveu e viu quando era criança. Uma das cenas mais emocionantes são as crianças lendo livros, algo que a própria Sil não pode fazer. Como precisou trabalhar desde muito nova, praticamente não frequentou a escola.
Para Sil, as pessoas que moram e trabalham no campo geralmente são fechadas, de pouca conversa e pouco riso. Ela sempre carrega consigo a advertência do pai, que falava muito sobre a dureza da vida do trabalhador rural: “se não trabalhar, não come“. Como um contraponto a essas lembranças, Sil faz seus bonecos alegres e sorrindo, porque para ela “de triste já basta a vida“.
Além da própria infância, Sil modela cenas do cotidiano, que ela mesma viu e vê em Capela. Diz que não precisa ir longe para pesquisar temas, pois tem tudo que precisa em seu entorno. Assim surgem rodas de violeiros, mulheres rendando, casais namorando, crianças brincando, senhoras catando piolhos…
Destacam-se suas elaboradas peças de grande dimensão em formato de pirâmide com degraus, também chamadas de chapéu de guerreiro. Em cada degrau da pirâmide adiciona figuras que dão vida a alguma cena, formando assim a representação do cotidiano de um vilarejo. Outros temas também presentes em suas esculturas são o Jaraguá, a Sereia, o Casamento Matuto, o São Francisco e outras imagens de santos.
Cria suas peças em uma oficina coletiva, formada por João das Alagoas e seus discípulos. O barro é retirado em um barreiro próximo ao ateliê ou em outros pontos da cidade e a queima é realizada em um forno à lenha coletivo. O momento da queima é sempre de muita apreensão, pois as peças grandes, como as de Sil, são especialmente complexas em função da dificuldade de transporte e movimentação.
A cerâmica figurativa de Capela – AL
Capela fica localizada a cerca de 60 km de Maceió, na região da Zona da Mata alagoana (vegetação de mata atlântica). A cidade é pequena, cortada pelo Rio Paraíba e seus afluentes. A agricultura canavieira e os engenhos foram e ainda são a principal atividade econômica do município.
O solo é bastante rico em argilas, usadas principalmente na produção de peças utilitárias. A produção cerâmica figurativa era praticamente inexpressiva em Capela, até o início do trabalho de João das Alagoas. João aprendeu a modelar o barro inicialmente sozinho, depois aprendeu com uma louceira local chamada Luzinete, que o ensinou a coletar o barro no barreiro, a prepará-lo e a fazer a queima, por volta de 1980 – 1987. Quando Luzinete mudou-se para São Paulo, João continuou aprendendo e aprimorando por meio de testes, investigações e estudos autônomos.
Sil é umas das mais proeminentes aprendizes de João das Alagoas, que formou uma escola da cerâmica figurativa no município. Essa oficina teve início com a busca de João para obter renda a partir da arte, buscando apoio da prefeitura e do Sebrae para repassar seus conhecimentos a aprendizes, estimulando-os a desenvolver uma identidade própria em seus trabalhos. Devido à relevância cultural de sua criação artística e a seu trabalho de transmissão de conhecimentos, João das Alagoas recebeu o título de Patrimônio Vivo do estado de Alagoas em 2011.