Francisco Graciano – CE

História de vida

Francisco Graciano Cardoso (1965) nasceu em Juazeiro do Norte, é o caçula de sete irmãos, filho de Manuel Graciano, um reconhecido artista popular do Cariri, com Ozana Maria de Jesus. Sua mãe faleceu quando ele tinha dois anos e, com o casamento do pai com Cícera Ferreira, seus irmãos foram deixando a família. Aos sete anos decidiu fugir para a casa da irmã que vivia em Brejo Santo, escondendo-se na roda de um caminhão. Sobreviveu com a irmã por dois anos no “sistema de morada”, no qual os trabalhadores rurais recebem moradia como parte do pagamento pelo trabalho na lavoura. Sua irmã decidiu mudar-se para Fortaleza, mas Francisco ficou em Brejo Santo e cresceu em casas de parentes.

Não estudou, conta que ouvia do pai, quando dizia que queria ir pra escola, que “não se come estudo”. Trabalhava desde criança para comprar roupas e outras necessidades e, por isso, não teve infância. Casou-se em 1986 com Francisca Roberta de Oliveira e construiu uma casa de taipa para morarem, onde a energia elétrica e água encanada só chegaram na década de 1990. Tem quatro filhos: José Carlos (1987), Vanessa (1988), Damiana (1991) e Geovane (1995).

Trabalhava como agricultor, cultivando principalmente algodão, além de prestar serviços em outras propriedades. Com a decadência do cultivo do algodão causada por uma praga conhecida como bicudo, começou a trabalhar em pedreira para sustentar a família. Ganhava muito pouco por um trabalho extenuante, que lhe agredia cada vez mais a saúde física. Um dia, quando andava pelo mato para coletar lenha para o fogão, decidiu separar um pau de madeira para esculpir. Nessa época, Francisco já acalentava dentro de si o dom que herdou de seu pai. Pensava consigo mesmo que, se se dedicasse, com certeza conseguiria criar como o pai.

Suas primeiras peças foram dois bonecos, um casal de velhos. Pediu para que seu irmão levasse as peças para seu pai, para que fossem levadas ao Centro de Cultura Popular Mestre Noza, para ver se seu trabalho era bom. Chegaram boas notícias, pois contaram que o trabalho tinha futuro e compraram os bonecos. Junto às boas novas, chegou o primeiro dinheiro.

Conta que até os 16 anos tinha vergonha de trabalhar com a arte, pois achava que não conseguiria achar namorada “pinicando pau”. Tinha o desejo de formar um museu em seu ateliê e o transformou em um centro cultural, onde são realizados cursos e vivências em parceria com outras instituições, como a prefeitura da cidade. O lugar tem uma decoração que faz referências às tradições populares e culturais da região. Na região de Brejo Santo é conhecido como “Mozinho dos Bonecos”.

Em 2021, Paulo Gondim publicou o cordel “Um artista no sertão”, que conta a história de sua vida. 

Obras e processo criativo

Francisco Graciano esculpe principalmente madeira umburana e utiliza ferramentas manuais para o entalhe, como goivas, buris, formões e martelo. Depois de esculpida, a peça passa para um processo de acabamento antes de receber a pintura: uma massa feita com cola e serragem corrige as imperfeições e depois é inteiramente lixada. Utiliza esmalte para pintar e tem grande apreço pelo aspecto brilhante que a tinta dá às obras.

Cria esculturas em madeira seguindo a linha do pai: entalha principalmente figuras humanas e animais com características “imaginárias”, fantásticas. Também produz, assim como Manuel, lagartos, cachorros e animais com uma bocarra entreaberta repleta de dentes pontudos e branco, que, de acordo com o pai do artista, não estão bravos, mas sorrindo.

As figuras humanas podem representar presépios, santos, figuras da banda cabaçal e do reisado, manifestações culturais tradicionais do Cariri, enquanto os animais são encontrados no próprio entorno de Francisco: como galinhas, cachorros, sapos, outras aves e lagartos. Algumas criações, fantásticas misturam referências diversas: em uma escultura, uma mulher usando um chapéu pontudo como os de reisado abraça um lagarto. Essas esculturas se caracterizam por um adensamento de figuras, que se entrelaçam.

Uma característica marcante é a pintura brilhante com um trabalho recorrente de pontilhismo expressivo, que ora é formado por pontos com formas bem nítidas, ora dá lugar a manchas irregulares que guardam a textura do pincel. Assina suas obras com a sigla “FG”, entalhada na parte debaixo da peça.

Graciano diz que não precisa imaginar todas as cores que uma peça deve ter. É só botar uma primeira cor que ela vai “chamando” outra para cada parte da peça e assim por diante, com as cores anteriores dando as coordenadas para a próxima. Sua cor favorita é o amarelo, porque ela chama a atenção dos olhos e destaca a peça onde estiver.

Não gosta que as pessoas peçam para ele fazer coisas determinadas, gosta mesmo de criar mesmo o que lhe vem à cabeça. Cria peças inspiradas na natureza, principalmente animais, mas sem compromisso com o realismo. As obras vêm de sua imaginação, ou do imaginário.

Francisco, assim como seu pai Manuel, utiliza com frequência as palavras “imaginário” ou “imaginação” para descrever a inspiração de seu trabalho. Já disse que ouve vozes, que lhe sopram nos ouvidos, o que ele deve fazer. Outras vezes conta que a própria madeira bruta já tem em si mesma a forma que ela deve ter, guiando suas mãos para o entalhe. Consegue ver na sua “imaginação, como se fosse um filme ou um desenho, algo que está ali pronto”.

Gosta de caminhar pelo mato, observar o céu, as nuvens, as plantas, como quem medita. Em sua mente, as formas das coisas se transformam. Nessas andanças, faz pausas e observações atentas, momentos em que vem a inspiração.

Não faz esboços e não desenha na madeira antes de começar o trabalho. Em seu processo criativo, a peça não nasce pronta, ela se transforma ao longo de sua produção. Francisco tem a cabeça povoada por muitas ideias, o que considera uma grande riqueza e uma expressão de um dom dado por Deus. Por isso que só repete uma peça quando quer.

Além das esculturas, Francisco pinta telas de grandes dimensões. Coloridas, com cenas complexas e repletas de personagens, encaixam-se em uma estética geralmente chamada pelos críticos como “naif”. Começou a pintar por incentivo de Titus Riedl, professor da Universidade Regional do Crato que frequenta o Centro de Cultura Popular Mestre Noza. Graciano não usa mesa ou cavalete, costuma pintar o tecido estendido diretamente no chão.

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