Mestre Aberaldo – AL
História de vida
Aberaldo Sandes Costa Lima (1960) cresceu no povoado Ilha do Ferro, localizado às margens do rio São Francisco no município de Pão de Açúcar, em Alagoas. Traz de família o dom e a aptidão para o entalhe da madeira. Neto de um habilidoso mestre canoeiro que fazia canoas e transportava mercadorias entre Piranhas e Penedo e filho de um poeta-sanfoneiro e carpinteiro, Aberaldo cresceu trabalhando no roçado. Também brincava muito no rio, fazendo barquinhos com vela de pano. Quando ainda não sabia nadar muito bem, acabava perdendo os barquinhos que eram levados pelo vento, de tão bem que velejavam.
Apesar de ter aprendido a técnica do entalhe com sua família, Aberaldo considera que não aprendeu a sua produção artística com ninguém, pois carrega um dom inato para a criação. No início da década de 1980, começou a produzir barquinhos juntamente com seu irmão Antônio Sandes Lima que eram vendidos em feiras em Maceió, juntamente com os bordados boa-noite feitos pela esposa de Antônio.
Pouco tempo depois passou a fazer esculturas humanas, cabeças com corcundas inspiradas em Frei Damião, um frade italiano radicado no Brasil que fazia pregações no Nordeste e chegou a passar por Pão de Açúcar. A partir dessa produção inicial, seu trabalho foi se ampliando. Deu início a uma produção de “ex-votos” depois de ser apresentado por uma visitante às peças tradicionalmente produzidas em Juazeiro do Norte, intimamente relacionadas à devoção de Padre Cícero. Suas cabeças, contudo, não são propriamente ex-votos, mas dialogam criativamente com essa produção.
O reconhecimento do seu trabalho foi impulsionado por alguns admiradores e profissionais atuantes no campo da arte popular, como o fotógrafo Celso Brandão que sempre teve compromisso com a divulgação do trabalho dos artesãos e artistas populares alagoanos. Outro momento marcante para sua trajetória é a participação na novela A Lei do Amor (2016 – 2017), integrando o acervo da fictícia galeria de arte popular da trama. A curadoria das peças para a novela foi realizada por Marco Aurélio Pulchério, sócio da Marco500 e curador da primeira edição do Arte dos Mestres.
Ao enquadrar as peças como arte popular, a novela projetou para um público amplo a criação de diferentes artistas brasileiros, promovendo um novo status para essas obras no circuito da arte. As obras de Aberaldo tiveram grande destaque no último capítulo da novela, o que para ele é motivo de muito orgulho. O acervo da galeria do enredo foi incorporado, em sua quase totalidade, pelo CRAB – Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro, localizado no Rio de Janeiro.
Além de se dedicar ao entalhe de suas obras, Aberaldo e sua família mantêm uma pousada no povoado para receber turistas e visitantes, que fica junto à sua oficina. Caloroso e receptivo, Aberaldo gosta muito de receber visitas e chega a fica triste de saudade quando vão embora.
Obra e processo criativo
Aberaldo é mais conhecido pela produção de figuras humanas, semelhantes a bonecos ou cabeças em madeira, que podem ser pintados ou não. Também esculpe pássaros, cobras, lagartos, além de criar novas peças que combinam diferentes referências e utilidades. Um exemplo é a criação de tampas de madeira com formato de cabeças para moringas de barro, em homenagem ao antigo uso dessas peças para armazenar água.
Utiliza preferencialmente as madeiras de umburana e mulungu, reaproveitando galhos e troncos caídos ou vendidos por pequenos agricultores da região que fazem roçados. Por questão de gosto, Aberaldo prefere esculpir peças maiores e possui uma grande sensibilidade para o melhor aproveitamento da madeira. Para aproveitar ao máximo a matéria-prima, cria esculturas pequenas com as sobras de madeira das maiores.
Aberaldo gosta especialmente dos troncos com vários galhos, que permitem a criação de múltiplas cabeças em uma peça só. Essas esculturas são raras, pois encontrar os troncos adequados para produzi-las é muito difícil, quase uma questão de sorte.
Contexto cultural
O povoado da Ilha do ferro está localizado no município Pão de Açúcar, a cerca de 18 km de seu centro. Apesar do nome, não é propriamente uma ilha: é um povoado localizado às margens do rio São Francisco. Por muito tempo, o acesso a região era feito quase exclusivamente de barco. Atualmente é possível chegar ao povoado por uma estrada.
O povoado tem pouco mais de 500 habitantes e cerca de 200 famílias. As principais atividades econômicas são o artesanato – entalhado em madeira, principalmente por homens, e o bordado boa-noite, produzido por mulheres.
A transformação do povoado da Ilha do Ferro em um local de grande relevância no cenário da produção e de arte popular aconteceu a partir dos anos 2000, com o aumento da fama do artista Fernando Rodrigues, contemporâneo de Aberaldo. No povoado há muitos artesãos já bastante conhecidos no circuito, como Vavan, Valmir Lessa, Petrônio, Yang da Paz, os irmãos Salvinho e Cícero, entre outros, além da Cooperativa Arte Ilha, de bordado boa-noite, que vem transformando o bordado tradicional de forma criativa.