Mestre Marivaldo Costa – PA

História de vida

Marivaldo Sena da Costa (1971) é ceramista da terceira geração de sua família. Começou a fazer cerâmica brincando, assim como todas as crianças da região de Icoaraci, em Belém do Pará, brincavam com o barro. No contraturno da escola, dedicou-se a aprender a tradicional arte de modelar o barro. Com 12 anos já fazia acabamentos e aprendeu a desenhar os grafismos, com 14 aprendeu a manusear o torno e com 15 já dominava todas as etapas da técnica. 

Sua família começou a produzir cerâmica na década de 1970, com seus avós. Sua mãe fazia o desenho das peças, enquanto o pai trabalhava como cozinheiro em um barco. Quando o pai percebeu que a cerâmica estava dando dinheiro, deixou sua profissão e começou a trabalhar também com a cerâmica. Na década de 1970 a cerâmica ainda era pouco produzida no distrito, mas nas décadas de 1980 e 90 houve o auge da produção e grande parte da população do distrito trabalhava com esse artesanato. Para muitos, foi o desenvolvimento da produção cerâmica na região que trouxe progresso econômico para a comunidade local. Para a família de Marivaldo não é diferente, pois construíram tudo o que possuem com a venda da cerâmica e se sustentam exclusivamente com esse trabalho há 50 anos.

Foi no final da década de 1990 que Marivaldo conheceu, de forma mais profunda, a cerâmica arqueológica. Sua pesquisa teve início através de livros e começou a produção dessas peças a partir da observação das obras de Mestre Raimundo Cardoso e de fotografias. Devido à sua grande habilidade técnica, em 2016 foi convidado a fazer parte do projeto “Replicando o Passado” do realizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. 

Obra e processo criativo

Marivaldo Costa trabalha com peças dois tipos de peças cerâmicas: as tradicionais da região, chamadas de cerâmica de Icoaraci ou Paracuri, e as cerâmicas do segmento arqueológico, peças que replicam da forma mais fiel artefatos arqueológicas encontradas na região amazônica e salvaguardadas por instituições museais. As peças de Marivaldo se destacam pela beleza e pelo alto nível técnico de execução, tornando-o um mestre artesão de referência nesse segmento.

No projeto Arte dos Mestres, as peças arqueológicas marajoaras e tapajônicas são as privilegiadas. Elas são recriadas a partir do estudo das peças originais salvaguardadas pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, no âmbito do projeto Replicando o Passado. Nesse projeto, cinco artesãos têm acesso à Reserva Técnica e estudam as peças originais. Os artesãos buscam replicar as peças seguindo as técnicas de modelagem tradicionais, visando alcançar a maior semelhança possível com o objeto original. Outra característica é a utilização de pigmentos naturais para a pintura, como tintas à base de argila, evitando-se o uso de tinta a óleo, por exemplo.

No projeto Replicando o Passado, a reprodução das peças tem dois objetivos. O primeiro é produzir réplicas do acervo que poderão ser emprestadas para outras instituições culturais e serem manipulados pelo público do museu como um recurso de acessibilidade. Como contrapartida, uma cópia de cada peça replicada é dada para o artesão, que poderá manter a peça em sua comunidade que servirá como referência para a produção artesanal local.

As peças produzidas no âmbito do projeto passam por rigoroso controle de qualidade, seguindo as especificações para que sejam fiéis. Os artesãos assinam um acordo com o Museu de não replicar nada que não seja nos termos originais. Por isso, são objetos com alto valor cultural e simbólico agregado, procurados especialmente por colecionadores.

Cerâmica marajoara

A cerâmica marajoara foi produzida pelos povos que viveram na região do Marajó, no Pará, entre os anos de 350 e 1400 AD. As peças são utilitárias, estatuetas e urnas funerárias, utilizadas para enterrar os restos de um ou mais indivíduos semi-cremados. As cerâmicas marajoaras caracterizam-se pelo uso de engobe, desenhos estilizados e figurativos, com elementos humanos e de animais. As tangas eram usadas por mulheres como tapa sexo e, com formato convexo, eram modeladas de forma a acompanhar a anatomia de sua portadora. As peças marajoaras mais conhecidas são as urnas de estilo Joanes Pintado, que foram produzidas entre 700 e 1100 d.C. e possuem pintura vermelha e preta sobre o engobe branco. Esses vasos apresentam forma híbrida, meio humano e meio ave, e trazem ao centro do bojo referências ao do útero, carregando forte simbolismo sobre o ciclo da vida.

Cerâmica tapajônica

A cultura tapajônica floresceu às margens do rio Tapajós, na localidade que hoje se encontra a cidade de Santarém – PA, entre os séculos VIII e IX. Formada por um complexo de povos que falavam pelo menos 3 línguas, possuíam um sofisticado modelo agrícola, intensa atividade comercial e um poderoso exército. Ocuparam a região até o século XVIII, quando sofreram um colapso populacional causado pelo extermínio colonial e foram considerados extintos. Seus descendentes, no entanto, continuam na região. A cerâmica produzida por esses povos, também conhecida como santarena, é uma das mais antigas da Amazônia e, também, a mais complexa.

Entre as peças mais conhecidas estão os vasos de cariátides, que recebem esse nome por causa das três figuras humanas que sustentam uma vasilha em suas cabeças. A bacia superior é ornamentada com figuras antropomorfas ou zoomorfas (cabeças de urubus).

Os vasos de gargalo, igualmente complexos e conhecidos, possuem 4 partes bem demarcadas: o gargalo e logo abaixo um pequeno bojo; o bojo central que pode ter formas humanas ou de animais ou ser ornamentado com “asas” alongadas para os lados, geralmente em 4, com estilizações de cabeças de pássaros ou jacarés; e por fim, a base.

A produção cerâmica contemporânea de Icoaraci

Icoaraci é um distrito de Belém do Pará que está localizado a 17 km do centro da cidade, em uma faixa formada pelas margens da baía de Guajará e do rio Maguari. Os rios e igarapés da região são ricos em barreiros, favorecendo a produção cerâmica.

A produção cerâmica é uma tradição que existe no bairro de Paracuri desde o início do século XX. Na região, faziam tijolos, telhas, peças utilitárias, alguidares, filtros e vasos de plantas com o objetivo de abastecer a capital. Na década de 1960, um artesão conhecido como Mestre Cabeludo começou a fazer desenhos em suas peças e sua inovação foi se espalhando, dando origem à cerâmica de Icoaraci, também chamada de Paracuri. Esse tipo de cerâmica, produzido em sua maioria em tornos, é uma interpretação contemporânea das características das peças arqueológicas encontradas na região e em outras partes da Amazônia. Extremamente criativos e habilidosos, os artesãos estão constantemente renovando a tradição, criando novos grafismos, desenhos e estilos.

Com relação às peças propriamente arqueológicas, Mestre Raimundo Cardoso foi o primeiro a ter acesso aos artefatos salvaguardados pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. O mestre começou a replicar as peças na década de 1980. Depois do Mestre Cardoso, nenhum artesão havia tido acesso tão qualificado às peças arqueológicas, o que revela a importância histórica e cultural do projeto “Replicando o Passado”.

OUTROS MESTRES E ARTESÃOS