Família Santos / Mestre Tamba – BA

História da família

Infelizmente as histórias da família são cheias de lacunas, pois as memórias foram se perdendo com o passar do tempo. Contam que o trabalho figurativo começou com 3 irmãos: Armando, Cecílio e Cândido Santos Xavier, mais conhecido como Tamba. De acordo com historiadores locais e a tradição oral, eram filhos de um pai de santo conhecido como Chiquinho de Babá, que fazia louças de barro para os cultos de candomblé. Ao que tudo indica, essa informação era desconhecida pelos próprios descendentes. O historiador Luís Claudio Nascimento forneceu a informação para a família por volta de 2006.

Na década de 1970, os irmãos viviam na Ladeira Manoel Vitória, em um bairro chamado antigamente de Recuada, local historicamente ocupado por populações negras e lugar de origem de vários candomblés de Cachoeira.

Dos irmãos, Cecílio deixou poucos registros e faleceu primeiro. Tamba é o mais conhecido de todos e quem tem peças identificadas em coleções de museus. Não casou nem teve filhos. Armando teve filhos e a continuidade da tradição na atualidade deve-se aos seus descendentes, que guardam os conhecimentos e repassam as técnicas para as próximas gerações.

A produção das figurinhas de cerâmica começou quando Armando aprendeu a modelar com uma professora e repassou para os irmãos. Faziam peças pequeninas de presépios, que eram vendidos para a população local e para turistas. De acordo com a família, as representações originais de Exu, que marcariam o trabalho da família, são criações de Tamba. Ele gostava de tirar alguns momentos para ficar sozinho e se isolar e, nesses períodos, criava novas representações. Ao que tudo indica, a produção das peças era realizada por vários membros da família, que acabavam assinando as peças apenas como “Tamba”.

Armando casou-se com Matilde, com quem teve Expedito, Pedro e Wanda. Criou os filhos e netos modelando o barro. Seu filho Pedro Jesus dos Santos casou com Aletícia Bertosa Ribeiro e teve Florisvaldo, Marilene e Márcia, artesãos que hoje sabem modelar seguindo o repertório da família. No entanto, apenas Florisvaldo e Aletícia fazem as figuras para vender.

Florisvaldo Ribeiro dos Santos começou a modelar por volta dos 5 anos, aprendendo com o pai. Recebeu a alcunha de “Flor do Barro” com 18 anos, quando participou da primeira exposição. Vende suas peças principalmente para turistas e, com a pandemia do COVID, a venda praticamente parou. Vive em Cachoeira, onde mantém um ateliê. Aletícia se mudou para Feira de Santana há aproximadamente 4 anos e pouco se dedica a produção das peças, por falta de clientes.

As peças originais de Tamba e Armando são muito raras e geralmente pouco acessíveis para um público mais amplo. Pertencem principalmente a coleções particulares e acervos de alguns museus, como Museu Afro Brasil Emanoel Araujo (SP), Museu Afro-Brasileiro – UFBA (BA) e Museu do Pontal (RJ). Algumas peças também participaram em 1959 da exposição “Bahia no Ibirapuera”, de curadoria de Lina Bo Bardi. Evento paralelo à 5ª Bienal de Arte de São Paulo, a exposição realizada na Marquise do Ibirapuera é considerada um marco por propor a recriação de um terreiro como espaço expositivo. Já nos anos 2000, outras importantes exposições curadas por Emanuel Araújo, artista e pesquisador das artes afro-brasileiras, apresentaram as obras dos irmãos.

Mesmo com esse reconhecimento e presença em importantes mostras e exposições, as obras da família Santos estão sendo praticamente esquecidas. Desestimulados, Florisvaldo e Aletícia continuam o legado de Tamba e Armando com dificuldade, devido à falta de clientes. A participação da família no evento Arte dos Mestres tem, justamente, o objetivo de divulgar essa produção a um público mais amplo, reiterando o prestígio e o reconhecimento que ela deve enquanto expressão artística genuinamente brasileira.

 

Obra e processo criativo

Criam em barro esculturas figurativas de animais, como galinhas de angola, pombas e outros pássaros, cenas típicas de cacheira e também com temática religiosa. Dentro deste tema, o que mais chama a atenção é o “sincretismo” entre elementos do catolicismo e do candomblé, forte característica cultural do município de Cachoeira.

Entre todas as figuras, Exu é o mais característico, fortemente associado à cidade de Cachoeira. Segundo Florisvaldo, essa forma de representação do orixá é uma criação de Tamba, que mesclou criativamente a imagem de Exu (cores pretas e vermelhas e pênis avantajado), com o diabo cristão, adicionando chifres. Uma escultura muito emblemática, intitulada Exu Boca de Fogo, pertence ao Museu Afro-Brasileiro (UFBA), localizado em Salvador, e estampa a capa de um dos catálogos da instituição.

Outra representação muito original são as barcas que transportam vários Exus. Carregada de simbolismo, traz camadas de significados referentes à diáspora africana, ao tráfico negreiro e à cosmologia de povos africanos. Para algumas culturas africanas, o mundo se divide em duas partes: uma habitada pelos vivos e outra pelos mortos. A divisão entre esses dois mundos pode ser representada por vários elementos, como a encruzilhada, a kalunga ou as águas do mar. Exu, o orixá “brincalhão” que manipula as noções humanas de tempo e espaço, é o mensageiro entre mundos, possuindo a capacidade de transitar entre eles.

Assim como os Exus, outras representações também trazem pitadas de humor. É o caso de obras Falso padre, Falsa freira e o Falso pastor. Nessas obras, os personagens são modelados com duas cabeças, uma humana e a outra do diabo. Criadas por Tamba, essas obras representam o falso cristianismo das pessoas que dizem seguir a palavra de Deus, mas tem atitudes questionáveis. Ele também criou o Falso candomblezeiro, que, da mesma forma, traz uma cabeça extra diabólica.

A procissão da Festa da Boa Morte também é recriada em uma grande obra pelos artistas, com 32 peças. Essa festa é uma comemoração religiosa tradicional realizada anualmente pela Irmandade da Boa Morte entre os dias 13 e 17 de agosto na cidade de Cachoeira. Estima-se que a irmandade tenha surgido em 1820 e ela é formada por mulheres negras, com mais de 40 anos. Possui rituais sagrados e secretos que envolvem práticas católicas e do candomblé. A irmandade venera a boa morte e o bem morrer, celebrando Nossa Senhora da Boa Morte e Nossa Senhora da Glória. Durante a festa são realizadas duas procissões: na primeira nossa Senhora ainda está viva, enquanto na segunda está morta. Em cada procissão as mulheres usam trajes com códigos de cores com representações simbólicas diferentes. O pano da costa vermelho e as joias são utilizadas a partir do terceiro dia, representando a alegria e fazendo referência às orixas Omulu, Iansã e Oxum.

O processo de produção das peças mudou bastante desde a época dos três irmãos. Contam que queimavam pouco as peças, pois na maioria das vezes misturavam cimento ao barro para aumentar resistência e secavam a peça ao sol. Armando iniciou as queimas mais simples, que duravam cerca de 20 minutos em um forno improvisado no chão de terra.

Atualmente, a família coleta o barro do quintal da casa, da mesma forma que faziam os três irmãos. Em 2017, participaram de um projeto de capacitação e, com a verba, conseguiram construir um forno no quintal de casa. Desde então, as peças são queimadas por mais tempo, trazendo mais resistência às obras.

Para pintar as peças, usam tinta de parede e de piso, misturando cores e corantes para obter os diferentes tons. Florisvaldo usa uma paleta mais colorida, enquanto Aletícia prefere as cores primárias.

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