Mestre Luiz Antônio – PE
História de vida
Luiz Antônio da Silva (1935) é filho de Antônio José e Maria Tereza, uns dos primeiros moradores do Alto do Moura. Sua mãe era louceira, fazia panelas e tachos de torrar café e o pai modelava figuras, como lagartixas, cavalinhos e outros animais. Desde muito novo, Mestre Luiz Antônio acompanhava os pais que iam vender a cerâmica na feira de Caruaru, acomodado entre as louças em um lombo de jumento. Teve contato com o barro desde cedo, com 10 anos já fazia brinquedos e foi cada vez mais ganhando gosto pela cerâmica. Com 18 anos mudou-se para São Paulo, onde trabalhou por 5 anos em restaurantes. Retornou ao Alto do Moura em 1958, a pedido da mãe, para ficar a vida toda. É o único aprendiz ainda vivo de Mestre Vitalino, que o convidou a expor suas peças ao lado de sua banca na feira de Caruaru.
Mestre Luiz Antônio viveu e fez parte da transformação do Alto do Moura. Quando era criança, a região tinha apenas 10 casinhas. Uma época dura, pois quem vivia na região enfrentava a pobreza e a falta de água. Com a transformação da região em um polo de produção de cerâmica figurativa e com a chegada de melhorias urbanas, viu as condições do bairro melhorar.
Em 1976, participou de um concurso realizado pela prefeitura de Caruaru para comemorar os 114 anos da cidade. Concorreu com nada menos que Zé Caboclo, Manoel Eudócio, Zé Rodrigues, Severino Vitalino, todos grandes mestres da arte cerâmica. Com sua habilidade notável em representar no barro a complexidade de mecânica de máquinas e aparelhos, Mestre Luiz Antônio ganhou o primeiro lugar com sua criação a Máquina de fazer telha canal.
Em 1986 foi convidado através do governo de Antonio Carlos Magalhães, na época governador da Bahia, por meio da Secretaria de Turismo do estado, para participar do Festival de Inverno do Japão e representar o Brasil e a cultura do nosso país em meio a 36 outros países. Fez 300 peças no evento que encantaram o público japonês. Lembra que, para ele, o barro usado no Japão era muito mole e não dava liga para modelar. Só conseguiu criar suas peças quando misturou o barro japonês com de Caruaru, comprovando com orgulho que o barro usado no Alto do Moura é o melhor do mundo.
É casado com Odete do Nascimento, também artista, com quem teve 10 filhos. Seus filhos aprenderam a modelar o barro e quase todos se dedicam ao ofício. O conhecimento também foi passado para netos e bisnetos.
Em 2019, Mestre Luiz Antônio recebeu, por voto popular, o I Registro de Patrimônio Vivo do estado de Pernambuco. Participou de muitas exposições e ganhou vários prêmios. Tem se dedicado a realizar um sonho, criar um memorial e museu nos fundos de seu ateliê para deixar registrada sua história e suas criações. A intenção é que algumas peças exemplares não sejam vendidas e fiquem no Alto do Moura com sua família, mantendo no local o seu legado e o nome de Mestre Vitalino.
Obra e processo criativo
Luiz Antônio conviveu com Mestre Vitalino e segue sua linha artística, mas não deixou de desenvolver suas próprias criações ainda no começo de sua trajetória, diferenciando-se do mestre. Uma das principais características de seu trabalho é a representação de cenas e objetos relacionadas à tecnologia, como diferentes tipos de máquinas e aparelhos e as figuras de profissionais. Uma criação de sua autoria que é bastante difundida em revistas e catálogos de arte é a do fotógrafo. Outras imagens são o cinegrafista, a mulher em operação cesariana, posto de gasolina, carros e motocicletas. Também inseriu a banda de pífanos.
Devido à ênfase na temática tecnológica, acabou desenvolvendo uma técnica bastante sofisticada de modelagem e de queima para conseguir representar os mecanismos das máquinas, o que nem todos os artesãos do Alto do Moura conseguem reproduzir. Um exemplo é a obra do eletricista, bastante exigente quanto à execução devido aos desafios técnicos. Essa obra, em especial, carrega a história do Alto do Moura, pois é inspirada no período de eletrificação do bairro e nas dificuldades causadas pelos postes de madeira, que viviam caindo na década de 1980.
Mestre Luiz Antônio é muito religioso, católico praticante. Essa temática também aparece em suas obras, como as peças que representam procissões e presépios.
A cerâmica figurativa de Caruaru
Caruaru tem origem no final do século XVII, quando a família de Cônego Simão Rodrigues de Sá saiu da capital do estado para o agreste, com a intenção de criar gado. Fundou a fazenda Caruru, que com o passar do tempo, virou um ponto de parada dos viajantes e mascates que viajam do sertão para Recife. Em 1781 foi erguida a primeira capela, dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Um povoado foi se formando no entorno da capela, com forte característica comercial, dando origem a Feira de Caruaru, onde são comercializados diferentes tipos de produtos, como alimentos, brinquedos, ervas e lambedouros, bijuterias, cerâmicas etc.
Mestre Vitalino nasceu em 1901 em Ribeira dos Campos, distrito de Caruaru. Já trabalhava com o barro desde muito pequeno, aproveitando os restos das louças utilitárias produzidas pela mãe. Fazia animaizinhos, como cavalinhos e bodinhos, que vendia na feira com as louças da mãe. Aperfeiçoando o trabalho, passou a criar bonecos em agrupamentos representativos de cenas locais e cotidianas. Sua primeira peça foi o Caçador do Gato Maracajá, com 6 anos. Ao longo da vida desenvolveu 118 peças diferentes. Mudou-se para o Alto do Moura em 1946 e encontrou no bairro artesãos que já se dedicavam à produção de peças cerâmicas utilitárias.
De acordo com a tradição, há uma linha de aprendizes de Vitalino: Zé Caboclo, Manoel Eudócio, Zé Rodrigues, Ernestina, Manuel Antônio (irmão de Luiz Antônio), Heleno Manuel… que pouco a pouco foram aprendendo com Vitalino e inserindo suas próprias inovações nas peças, como o detalhamento dos olhos e representação de novas figuras. A cada inovação, um artista trocava com o outro e o próprio Vitalino incorporou em suas peças inovações trazidas por seus aprendizes. O desenvolvimento do Alto do Moura como um dos maiores polos de arte figurativa do Brasil é uma consequência feliz do encontro de Vitalino com a comunidade oleira que vivia ali, com muitos artesãos habilidosos que enfrentavam a crescente diminuição do interesse pelas peças artesanais frente à oferta de peças industrializadas.
A barraca de Mestre Vitalino na Feira de Caruaru era um ponto de encontro para seus seguidores, admiradores e dos alunos de sua “escola”. Contam que o Mestre era generoso, sempre estimulava seus discípulos a continuarem com a modelagem do barro e abria espaço para expor as peças a todos aqueles que pedissem. Assim, quem se identifica como “discípulo” de Vitalino não necessariamente aprendeu a modelar com ele, mas também nomeia quem aprendeu a fazer bonecos a partir do que viram Vitalino fazer, além de terem um espaço na sua barraca, como é o caso de Mestre Luiz Antônio.
A matéria-prima é questão de preocupação e disputa há muito tempo pelos artesãos do Alto do Moura. Tradicionalmente, o barro é retirado do rio Ipojuca, um dos mais poluídos do país. Os artesãos competem com olarias de telhas e tijolos, que retiram grandes quantidades de barro e deixam crateras imensas e argilas de baixa qualidade, inadequadas para a produção figurativa pois resulta em peças frágeis e quebradiças. Para lidar com a situação, os artesãos reivindicaram, por meio da Associação de Moradores e Artesãos do Alto do Moura (Abmam) um terreno com um barreiro para usufruto dos artesãos. Em 2019, previam que o barro se esgotaria em 5 anos. Em 2022, a então prefeita Raquel Lyra, assinou a desapropriação de um terreno de 8 hectares em favor da associação, após a realização de estudos geológicos. A estimativa é que o barreiro supra a matéria-prima para a produção artesanal pelos próximos 50 anos.