Família GTO – MG
História de vida
Geraldo Teles de Oliveira (GTO) nasceu em 1913 em Itapecerica – MG mas foi para Divinópolis na infância. Com 28 anos mudou-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou como soldador e funileiro. Retornou para Divinópolis dez anos depois, onde permaneceu até seu falecimento.
Começou a esculpir por volta dos 55 anos. Seu trabalho tem início com um sonho, que para ele foi uma revelação. Em um cochilo no hospital onde trabalhava, sonhou que esculpia uma grande obra para uma igreja e entendeu o sonho como uma revelação de um dom que precisava canalizar no mundo.
No início, começou esculpindo peças pequenas, que pareciam bonecos. Chegou a experimentar outros materiais como a pedra sabão e pintava suas criações. GTO foi “fundado”, como ele mesmo dizia, pelo arquiteto e ex-prefeito Aristides Salgado, que ficou impressionado. Aristides Salgo orientou GTO a não pintar suas obras e o inseriu no circuito de arte, principalmente em Belo Horizonte.
GTO começa a entalhar em uma época em que a arte popular estava ganhando cada vez mais espaço por meio das pesquisas de especialistas, curadores e colecionadores, como Lélia Coelho Frota e Jacques Van de Beuque, fundador do Museu do Pontal. Esses pesquisadores tiveram um importante papel de a criação de diferentes mestres e artistas populares ao status de arte. Cerca de um ano e meio após GTO começar a criar suas peças, ele é convidado para participar de uma grande exposição na Escola Guignard, em Belo Horizonte. Como estava bastante doente e debilitado fisicamente, pede ajuda seu filho Mário Teles, que prontamente recebe a tarefa de furar as obras.
No fim das contas, quem participa da exposição é o próprio Mário, que lembra com graça que época nem tinha terno para usar e precisou comprar um a prestações em uma venda do bairro. Desde esse episódio, GTO passou a produzir em parceria com o filho, dizendo para todo mundo que Mário tinha um traço melhor que o seu. Quando a exposição acaba, Mário Teles passa a ser procurado por vários curadores e colecionadores interessados em suas peças. Deixa de trabalhar no Ministério da Saúde e passa a entalhar com o pai. Mário também se dedicava à pintura a óleo e ao desenho, técnicas que estudava de forma autodidata desde muito jovem.
Alex Teles, filho de Mário, também seguiu os passos do pai. Desde pequeno ficava em cima da mesa de trabalho do avô, que tinha muitos netos. Alex era o mais novo e, enquanto GTO entalhava, tinha a importante tarefa de limpar as lascas para que avô não precisasse passar a vassourinha. Pressentindo o talento do neto, GTO deixou suas ferramentas com Mário para que fossem entregues a Alex quando ele sentisse o chamado para a arte. GTO dizia que não era para Mario ensinar nem o obrigar a entalhar, mas esperar pacientemente o seu período de despertar. GTO faleceu em 1990.
Alex sempre teve muita vontade de estudar e, por isso, deixou um trabalho que se dedicava por 14 anos para começar uma faculdade. No mesmo período, começa a trabalhar com o pai, furando as peças. Se formou e nas horas vagas trabalhava nas partes burocráticas, vendendo os trabalhos nas feiras e atendendo clientes.
Um certo dia, sentiu que queria reconstruir a roda de vida que o avô criou. Achou um pedaço de madeira que era da época de GTO e sentiu uma grande vontade de fazer uma peça. Avisou o pai, que o incentivou sem fazer grandes cerimônia. Quando Alex terminou o desenho do que queria esculpir, Mário entregou as ferramentas de GTO para que Alex começasse a entalhar, seguindo a vontade de seu pai. Mário se emocionou muito ao ver o filho trabalhar, pois Alex tem os mesmos trejeitos de GTO para manusear as ferramentas.
A família calcula que GTO fez por volta de 1.500 obras. Já Mário Teles esculpi impressionantes 15 mil obras. Alex, que está construindo seu caminho, fez por volta de 400. Para Alex, “todas as obras são únicas de história, pois a história por trás de cada obra é o que a gente vive, viveu ou viverá”.
Obra e técnica
Mário e Alex seguem a estética criada por GTO: produzem esculturas elaboradas e ricamente detalhadas por meio do entalhe em madeira. As obras formam complexos de figuras humanas “sobrepostas” de forma geométrica e muitas vezes com marcada simetria que não é estática, sugerindo ritmo e um movimento.
Um elemento presente na obra dos três é a roda, um círculo preenchido com figuras humanas que se interligam. GTO chamava essa forma de “Roda da vida”, pois entendia que todos os humanos (e seres vivos) estão entrelaçados, formando uma unidade. Mário Teles também produz essas rodas, que batizou de “mandalas”, dando novas possibilidades para a organização de seus elementos de preenchimento. Alex, continuando o movimento, criou a “Roda do tempo”, pois é ele quem carrega, para o futuro, a obra do avô. A roda expressa a visão de mundo da família, que usa a imagem para representar o tempo que passa e os conhecimentos que são transmitidos de geração em geração.
Além das temáticas mais filosóficas, as manifestações artísticas e culturais populares brasileiras são uma temática constante, como os folguedos, folias, danças, folclore e culturas indígenas. Algumas obras também apresentam correntes entalhadas sem nenhuma emenda. GTO costumava que a madeira é maleável e que pode ser estendida. Para provar isso, pegou um pedaço de madeira de 30 por 10 cm e entalhou uma corrente de 60 cm de comprimento, com um elo dentro do outro sem usar colas ou emendas. A imagem da corrente tem uma forte relação com a infância de GTO, que se lembrava com tristeza de ver amigos sendo acorrentados em Itapecerica. Não é possível saber se essas correntes se referem a resquícios de práticas do regime escravocrata que perduraram apesar da abolição da escravatura, ou ao tratamento dado às populações indígenas, pois a avó de GTO era indígena.
Apesar das semelhanças, há diferenças nos traços do trabalho dos três. GTO teria um entalhe mais rústico, sem medidas e noções de anatomia. O entalhe de Mário é mais preciso e geométrico, trazendo seus conhecimentos do desenho. Já os de Alex são mais arredondados e anatômicos. No entanto, Alex sabe fazer os traços do pai, que por sua vez, sabe e conhece os traços do filho.
As obras de GTO e seus descendentes são interpretadas como arte universal, pois teriam como temas questões comuns às pessoas de diferentes culturas. Outra característica que contribui para essa percepção são as características do entalhe: há quem veja neles semelhanças com a escultura africana, com a estética indígena, maia, mexicana… Essa potência do traço de remeter a diferentes manifestações artísticas é reafirmada pelos artistas, que entendem o seu trabalho como a canalização de manifestação de repertórios milenares.
As referências para a criação das obras vêm de diferentes fontes. Contam que cada um, a partir do repertório iniciado por GTO, entalham na madeira suas imagens íntimas e internas. Assim, as obras podem contar histórias da mitologia brasileira, das etapas de vida do próprio artesão, e da própria relação artística existente entre GTO, Mário e Alex, formando o que eles chamam de “trindade artística”.
Para Alex, “todas as imagens são do íntimo, de dentro. E tudo que sai de dentro é mais puro, mais nosso, e é uma reflexão do que é o artista por trás da obra. E não somente um objeto, mas saber que aquela obra está contando a história de uma trindade. E que mostra o tanto que nosso povo é criativo, e não há nada mais criativo que a arte do povo brasileiro”.
Uma das principais influências no trabalho de Alex é a literatura, pois é um leitor ávido, principalmente de poesias. Também é um cinéfilo apaixonado. Trabalhou por muito tempo em locadoras e que, por 11 anos, chegou a assistir muitos filmes, cerca de 11 por dia! Diz que é apaixonado pelo cinema “mais puro”, aquele que não usa efeitos especiais, pois gosta mesmo é da história, da atuação, da fotografia e da visão do diretor. Essas imagens, vistas em tantos filmes, povoam seu interior e muitas vezes se expressam em seu entalhe.
Mário e Alex dividem o espaço de trabalho e às vezes até dividem o trabalho em uma mesma obra, como é o caso de uma das peças da exposição Arte dos Mestres, em que uma das faces foi talhada por Mário e a outra por Alex. Mário é muito apegado ao Alex e, por isso, acabam passando o dia inteiro praticamente juntos.
As peças são entalhadas em madeiras de lei, como cedro, jequitibá, massaranduba, vinhático e pau brasil. Com o envelhecimento, as peças adquirem uma cor escura à medida que a madeira perde água. Para os artistas e alguns colecionadores, quanto mais antiga a obra, mais bonita.
A escolha dessas madeiras deve-se a uma filosofia de GTO. Quando Carlos Drummond de Andrade perguntou a ele porque fazia as obras na madeira, GTO respondeu: “porque as árvores me permitiram”. GTO costumava dizer que a obra deveria ser “de geração”, ou seja, feita em madeira centenária para que possa ser passada de geração em geração. Os artistas calculam que as obras podem durar 2.500 anos sem nenhum produto protetivo.
As ferramentas utilizadas são todas manuais, como formão, macete e o trado, utilizado para furar as partes vazadas. Não utilizam lixas, colas ou emendas. Segundo GTO, o trabalho do artista é retirar todo o excesso de madeira para fazer aparecer o que estava em sua mente.
Museu GTO (Geraldo Teles de Oliveira) em Divinópolis – MG
Quando GTO ainda era vivo, tinha muita vontade de criar um espaço onde poderia colocar suas peças e, através delas, apresentar as manifestações dopovo brasileiro para as crianças. Para realizar o sonho, contou com a ajuda da superintendente do estado de Minas, Adélia Prado, que auxiliou a viabilizar o projeto. O Museu GTO foi criado em 1981 em Divinópolis e é chamado de museu-residência, pois é onde GTO viveu e morreu.
Atualmente, a casa-museu abriga as peças de GTO e seus descendentes. É um espaço onde Alex faz um trabalho de arte-educação, e em suas palavras: “gosta de provocar a criança para conhecer seus ancestrais, sua cultura, para além das obras de GTO”. Alex mobilizou os conhecimentos adquiridos na faculdade e criou vários projetos para viabilizar as atividades de arte-educação no espaço. De acordo com seus cálculos, mais de 50 mil crianças já passaram pelo projeto.